Nasci no meio da arte. Desde pequeno via os quadros do meu avô, Manabu Mabe, ficava o dia inteiro em seu ateliê, e, mais para a frente, não desgrudava do meu tio, que também pinta. Meu pai desde sempre tem galeria, e eu não só frequentava muitas exposições, como também ia a Bienal, que era um super evento, e fazia aulas de pintura, com minha avó, minha irmã e meus primos. Meu avô tinha muitos pintores amigos e até mesmo alguns aprendizes. Essa era minha visão sobre arte, e tudo era muito grandioso.

Com o tempo, fui aprendendo que essa é a visão mais tradicional e romântica de arte. A que nós vemos em filmes e na televisão, do artista pintando sozinho em seu ateliê e muitas vezes se esforçando para viver de sua arte. Mas não é a única. É com muito desdém que ouço falar de artistas que não produzem suas obras eles mesmos, que têm equipes e pessoas contratadas para fazer seus projetos. Tanto que resolvi aprender sobre o assunto.

Viggo Mortensen em ‘Um Crime Perfeito’ (1998) – Warner Bros.

Não me surpreendendo tanto, descobri que a origem dos art studios ocorreu na Renascença. Os pintores mais famosos tinham bottegas, que eram ateliês que eles tocavam e tinham uma equipe de aprendizes para auxiliá-los com as obras, muitas vezes encomendadas por patronos, ou mecenas. As bottegas (não confundir com as bodegas, palavra do espanhol para mercearias ou lojas de conveniência) tinham no máximo 16 pintores, que iam subindo conforme demonstravam seu talento ao mestre.

O grau de envolvimento do pintor chefe variava de acordo com a quantia que recebia do mecenas para a obra, e, como as pinturas eram, na maioria dos casos, à óleo, trabalhavam paralelamente em várias obras enquanto as telas secavam. Encomendar uma tela de um pintor famoso, na Renascença, não significava que o pintor pintaria a tela inteira sozinha, mas sim que a obra seria proveniente de seu ateliê, ou bottega.

Mais para frente, no século XIX, surgiu a École nationale supérieure des beuax-arts em 1816, na França, que desafiou o modelo renascentista ao promover as próprias exposições, chamadas de salons, que se tornaram os maiores eventos de arte do século ao apoiar, promover e criticar os desenvolvimentos artísticos.

Nos anos 60, Andy Warhol despontou, com a The Factory, que era seu art studio e salão de festas. Ficou conhecido pela produção em série de obras de arte, através do silk screen, e das festas que promovia, frequentadas por celebridades.

James Kavallines, New York World-Telegram and the Sun staff photographer [Public domain]

Hoje o mais conhecido talvez seja Jeff Koons, que literalmente conta com 100 funcionários que recebem um salário bem baixo, e produzem as obras que idealiza. O seu papel se assimila mais ao de um arquiteto, que projeta a obra. Curioso sobre Koons, encontrei uma descrição sobre seu processo. Ele faz colagens no Photoshop e sua equipe reproduz a colagem, minuciosamente, através de pincéis de ponta pequena em telas em escala maior. Com certeza vocês já viram colagens de outros artistas no Instagram, e o precursor sem dúvida é Koons.

Koons tem o trabalho de idealizar a obra, fazer a composição, com equilibro e balanço de cores e arranjar as imagens. Com sua equipe, os resultados são impressionantes, algumas telas na verdade parecem fotos. Que atire a primeira pedra quem nunca se impressionou com uma colagem, agora imagine que as colagens de Koons não são simples colagens, são telas pintadas a óleo.

“” by Annie Guilloret is licensed under CC BY-NC-ND 2.0 

Mas, não são pintadas, nem esculpidas por ele. Na Renascença, os pintores, além de fazerem o acabamento das obras, eram responsáveis pelas partes mais difíceis, as faces e as mãos. E é este, exatamente, o questionamento desse texto. Se a arte caminha para os rumos da publicidade; antigamente as agências contavam com alguns gênios, que criavam as frases de efeito, slogans e idealizavam as campanhas, ao passo que hoje são megacorporações que trabalham em sintonia, mas não mais apoiadas em um publicitário.

Para a maioria, é como se um jogador de futebol não jogasse ele mesmo, ou colocasse outro para jogar, ou montasse um time. Ou a nossa reação ao descobrir que James Bond, Os Três Mosqueteiros e o Conde de Monte Cristo, foram escritos por ghost writers. No caso desses, o autor do livro tem a idéia e o ghost writer traduz essa idéia para um trabalho completo, normalmente, com uma cláusula de confidencialidade. Na música também é comum o ghost writing.

A ideia de arte e artista que prevaleceu, originou-se do livro ‘A Vida dos Artistas’, de Giorgio Vasari, escrito em 1550, que propôs que a obra de arte é a expressão completa de uma única mente e mão. Apesar de não tirar os méritos e reconhecer que os trabalhos finalizados de artistas como Jeff Koons são impressionantes, eu, que pinto nas horas vagas, chain smoking e tudo o mais, sou adepto da visão romântica de arte. Pois, a tendência das coisas tomarem dimensões grandes demais, e se desvirtuarem, é muito alta. Mantenhamos os artistas, artistas, e os publicitários, publicitários…

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